O sapo e a recuperação judicial
Se você colocar um sapo em uma panela de água fria e aquecer gradualmente a água, o sapo não perceberá a mudança e permanecerá na panela até que seja tarde demais. Assim como o sapo, muitos empresários, envoltos pelas atividades operacionais do dia-a-dia não percebem as mudanças negativas em sua volta que podem impactar o fluxo de caixa de seu negócio a médio e longo prazo, e assim, não tomam medidas corretivas para evitar consequências nefastas decorrentes da inadimplência.
A crise financeira geralmente não causa estragos de imediato, mas quando ela evoluiu para uma ausência de liquidez financeira para a quitação ou rolagem dos passivos, os danos são devastadores para todos os sujeitos envolvidos (sócios, fornecedores, clientes, funcionários fisco).
A medida que os empresários começam a perceber que o seu fluxo de caixa futuro pode não ser suficiente para liquidar seus compromissos financeiro na sua totalidade, devem imediatamente procurar uma forma de perfilar seu passivo e evitar a mora.
Entretanto, negociar com credores não é tarefa fácil, principalmente quando a situação de insolvência financeira se torna pública. Nesses casos, assim como prevê a teoria dos jogos de Nash, cada credor buscará de forma individual a melhor forma de satisfazer seu crédito pessoal, muitas das vezes em prejuízos aos demais credores.
O pedido de recuperação judicial tem como princípio a preservação da organização empresária como geradora de renda e emprego. E para tanto, a legislação acaba por criar mecanismos para uma negociação coletiva dos credores das mais diversas classes de crédito (trabalhistas, com garantia reais e quirografários) visando: a diminuição da assimetria informacional entre empresário e credores e a prevalência da vontade da maioria dos credores. Dessa forma acaba por inibir comportamentos abusivos por parte de alguns poucos credores.
Ocorre que o pedido de recuperação judicial é um remédio caro e com grandes chances de ser convalidado em falência se não for corretamente utilizado. Tal medida é drástica, não sendo viável para todos os tipos de crise financeira.
Existem outras medidas mais brandas que devem ser exploradas pelo empresário em crise previamente ao pedido de recuperação judicial, a depender do momento da crise financeira.
Por exemplo, em resposta à crise instalada pela pandemia da COVID-19, foi promulgada lei nº 14.112 de 2020, com importantes alterações na legislação de direito de insolvência brasileiro. Entre as principais mudanças está a possibilidade de mediação prévia com espécies de credores específicos, em um procedimento abrangido pela confidencialidade, o que acaba por manter o score do empresário, ao não dar publicidade dessas negociações.
Uma vez comprovada a distribuição das cartas convites para mediação, o empresário - se necessário - pode requerer tutela de urgência de caráter antecedente para suspender pelo prazo de 60 dias eventual ameaça de constrição em seus bens, como bloqueio das contas bancárias, consolidação de propriedades em alienação fiduciária, promovida por credores em procedimentos de cobranças individuais.
A concessão do stay period nesses casos, não exige do empresário em crise a apresentação de todos os documentos contábeis, societários e fiscais - as vezes até laudo prévio de viabilidade de recuperação judicial - exigidos para o deferimento do processamento da recuperação judicial para só então conceder o stay period de 180 dias.
O stay period de 60 dias, além de proteger os bens essenciais da empresa enquanto ocorre as mediações, possibilita ao empresário tempo para providenciar a densa documentação necessária para o pedido de recuperação judicial, caso se mostre infrutíferas as negociações nas mediações.
Seja qual for o remédio jurídico a ser adotado em favor da empresa em crise, minha experiência advogando para empresas em crise, mostra que de nada adianta um remédio jurídico em direito de insolvência, se o empresário em crise não adotar previamente algumas posturas e se livrar de 5 (cinco) mitos.
Esses mitos são muito bem apontados pelo saudoso Claudio Galeazzi, que participou de reestruturações exitosas de grandes empresas, como o Pão de Açúcar, em 2007; a BRF, em 2013; e a Americanas, no fim dos anos 90. Também passou pela varejista de roupas Vila Romana e a fabricante de laticínios Mococa. Tudo isso sem nunca ter concluído um curso de graduação na universidade. Eis os mitos:
Primeiro mito: diante dos primeiros sinais de dificuldades, os empresários buscam as causas fora da empresa. Não admitem que as coisas saíram dos eixos e que os problemas se acentuaram sem que fossem enfrentados. Sempre há uma boa explicação: o controle de preços, a concorrência desleal, a política econômica do governo, a chuva que caiu (ou deixou de cair) etc. Então pergunto: se os fatores externos são os causadores dos transtornos, por que outras empresas do mesmo setor não se enrolaram no mesmo nível?
Segundo mito: acreditar que o problema é exclusivamente financeiro. Nessa linha de raciocínio, basta arrumar dinheiro e tudo entrará nos eixos. Finança ruim é sintoma, e não causa. Um novo empréstimo ou aporte de capital não vai solucionar o problema, porque sua origem não foi atacada, só o efeito. É como uma represa — tapa-se um buraquinho ali, outro aqui, mas, sem reduzir a pressão da água, o vazamento continua. Além disso, esse é o primeiro dinheiro a ir embora. Por quê? Porque não tem outro. Uma nova injeção de capital ou um novo empréstimo só valem a pena quando a companhia já iniciou a identificação dos problemas e os buracos na represa já estão sendo tapados.
O terceiro mito prega o seguinte: “Se aumentar a produção ou as vendas, abasteço o caixa da empresa, pago as dívidas e, pronto, recupero a saúde da empresa”. Essa lógica ofende a aritmética básica. Se o custo é maior do que o preço de venda, quanto mais for produzido e vendido, maior será o prejuízo. O aumento de produção requer contratação de mais gente, compra de matéria-prima, entre outras despesas que aumentam a necessidade de capital de giro. Enfim, o crescimento, nesse cenário, só piora a situação.
O quarto mito consiste numa espécie de fuga. O empresário mergulha no dia a dia e deixa de lado os grandes problemas de longo prazo. Por exemplo: preocupa-se com a temperatura do cafezinho e demora a traçar um plano para renegociação da dívida ou ajuste do quadro de pessoal. No final do dia, sente um alívio enorme, pois trabalhou muito. Só que não resolveu nenhum dos problemas.
O quinto mito parte de uma premissa clássica e amplamente disseminada: “Minha empresa é diferente”. É claro que cada empresa tem sua própria história e, por tabela, sua cultura. Existem também as características do setor e da região geográfica onde está instalada, entre outras variáveis. As raízes dos problemas, no entanto, são as mesmas: erros de gestão e demora em tomar decisões difíceis e incômodas, como fechamento de atividades deficitárias, redução nos investimentos, enxugamento das linhas de produtos ou resolução das pendências entre sócios.
Requerer a recuperação judicial sem vencer esses mitos, o empresário irá acabar morto igual ao sapo na panela. Somente irá dar dinheiro para advogado, custas processualista e administrador judicial, gerando revolta aos seus credores, os afastando de convalidar um plano de recuperação proposto por um empresário que não se deu ao trabalho de apontar os próprios erros.
O empresário em crise deve estar ciente que não existe pó de pirlimpimpim, solução mágica ou uma grande sacada para resolver problemas de organizações enredadas em dificuldades. E infelizmente existem muitos mágicos vendendo soluções em powerpoint, com uma narrativa voltada para os empresários que ainda não venceram os mitos apontados.
Agora, o empresário que supera esses “mitos”, reconhece a própria responsabilidade e assume uma postura de mudança visível na correção dos erros que o levaram até aquela situação, este empresário está apto a procurar profissionais para atuar em sua recuperação judicial, uma vez que os credores e o mercado poderão dar lhe uma segunda chance por meio de um plano de reorganização financeira e administrativa das empresas que embora não atendam aos sonhos dos credores de receber em dia, mas afasta o pesadelo do calote, mesmo que para isso os credores sejam obrigados a ceder descontos e aceitar prazos de pagamentos mais dilatados do que gostariam.
Nunca se deve desperdiçar uma crise séria. Essa crise oferece a oportunidade de fazermos coisas que não era possível fazer antes.
A recuperação judicial é uma ferramenta importante para empresas em crise, mas é fundamental que o empresário esteja disposto a enfrentar os desafios e mudar sua postura para garantir o sucesso do processo. A transparência, a busca por soluções reais e a disposição para negociar com os credores são essenciais para superar a crise e reerguer o negócio de forma sustentável. É preciso encarar a realidade, assumir os erros e buscar o apoio necessário para seguir em frente. Assim, é possível sair da situação de crise e construir um futuro mais sólido e promissor para a empresa.
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Dinarth Araujo Cardoso Junior, advogado, presidente Comissão de Direito Civil e Proc. Civil OAB Sinop
OAB/MT n. 16.856-A
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