Ontem foi a Valéria, amanhã pode ser você
2016 foi considerado o “O Ano da Mulher Advogada”, houveram alterações no Estatuto da Advocacia para incluir, entre outros, o artigo 7-A que tratou especificamente dos direitos da advogada gestante, lactante e/ou adotante. Outras prerrogativas profissionais foram mantidas no artigo 7º da Lei 8906/94, haja vista independerem de gênero, e isso é muito importante que se observe: quanto a tal tema existem diferenças biológicas e emocionais, mas no exercício da profissão advogados e advogadas comungam dos mesmos direitos e deveres e, portanto, deve ser dispendido tratamento equânime e não privilegiado para um ou outro. A situação vivenciada pela advogada Valéria Lucia dos Santos no Rio de Janeiro pouco tempo após o ano dedicado a Mulher Advogada, poderia ter ocorrido com um advogado e, ainda assim, ambos mereceriam o mesmo tratamento e repulsa. Ocorre que prerrogativas insertas em lei Federal e na própria Carta Magna, têm sido diuturnamente violadas. Por gentileza com o servidor, por receio da repercussão, por entender que “vai dar muito serviço pôr no papel”, por desconhecimento das prerrogativas ou qualquer outro motivo, muitas violações se tornaram tão corriqueiras que acabam se normalizando, a exemplo da negativa de cópia; negativa de exame de inquéritos em delegacia; negativa de atendimento direto com magistrados; impedimento de acesso a salas de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça e tantos outros da administração pública. Assim, com o comportamento violador reiterado e a ausência de reprimenda firme, “evoluímos”, em setembro/2018, para a repulsiva e absurda situação de uma advogada ser presa e algemada dentro de um fórum no exercício da profissão. Particularmente acredito que a criminalização das prerrogativas profissionais defendida de forma aguerrida pelo Presidente Lamachia é medida IMPRESCINDÍVEL para a manutenção da integridade do Estado Democrático de Direito. As garantias profissionais da advocacia não a tornam profissão melhor ou pior que qualquer outra; os direitos de advogados e advogadas estampados no Estatuto da OAB lá estão para que eles possam defender os interesses do cidadão, independente de quem seja o julgador, de qual esfera pública ou foro de atuação. PRERROGATIVA DA ADVOCACIA É PRERROGATIVA DA SOCIEDADE! A advogada e o advogado falam por aqueles que não tem voz. Juram expressamente defender a Constituição Federal e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito com dignidade e independência. A história tem mostrado que apenas a vigência e eficácia das prerrogativas garantem que tais múnus sejam efetivados. A advogada Valéria reiterou a todo momento, algemada como se bandida fosse, posta ao chão no corredor do fórum pelos policiais, que TEM O DIREITO DE TRABALHAR. Impedir o exercício profissional é ferir de morte o próprio Estado Democrático de Direito, pois não foi, de forma alguma, apenas a advogada Valéria que teve os direitos suprimidos, mas toda a advocacia e, via reflexa, a sociedade, que perde quando a advocacia é subjugada. Fiquei impressionada com a altivez da colega que na coletiva de imprensa fez questão de frisar que não quer que as pessoas vejam o caso sob a ótica racial, nem que as pessoas a vissem como vítima, como comumente se reportam às mulheres. Ela afirmou: “não sou vítima. Vou sempre lutar pelo que acho certo e correto e pela minha profissão. Sou mulher e quero trabalhar.” Quantos de nós advogados e advogadas deixariam de “comprar essa briga” com a juíza leiga por motivos diversos: “é processo do juizado”.. “é caso simples”..., “não vou indispor, depois faço a manifestação escrita”... “a pauta é longa, não quero atrapalhar”... “se me impor com ela depois posso sofrer reprimendas na vara”... Motivos não faltam para que reiteradas vezes advogados e advogadas deixem de fazer valer suas prerrogativas no exercício da profissão e isso faz com que tenhamos chegado onde chegamos. A Súmula 11 do STF veda o uso de algemas em qualquer cidadão; o artigo 7º, §2º e 3º do EOAB conferem imunidade e vedam a prisão do advogado e advogada no exercício da profissão, mas, ainda assim, a juíza leiga, que ANTES DE SER SERVIDORA PÚBLICA TAMBÉM É ADVOGADA, não teve qualquer pudor em ordenar a prisão da colega, assim como os policiais não titubearam em prender uma profissional dentro do fórum, ou seja, não adianta só estar previsto em lei, é necessário que se faça cumprir a prerrogativas da Advocacia. NADA JUSTIFICA O QUE ACONTECEU. Me senti algemada quando assisti o vídeo e incomodada o suficiente para refletir sobre as possíveis causas das condutas violadoras. A violação não foi apenas à advogada Valéria, foi a toda Advocacia, tanto que Subseção, Seccional e CFOAB se mobilizaram para desagravá-la, mas, mais que isso, é necessário que a situação vivenciada pela colega sirva de estímulo para que advogados e advogadas conheçam melhor suas prerrogativas, insistam em sua estrita observância e cobrem reprimendas severas aos violadores, afinal, como diria meu avô: “onde passa um boi passa uma boiada”. Ontem foi a Valéria, amanhã pode ser você. Hoje é uma “simples” negativa de cópia sem procuração, amanhã pode ser uma prisão arbitrária e truculenta. Vale a reflexão. Xênia Artmann Guerra Advogada inscrita na Subseção de Sinop/MT Vice-Presidente da CAAMT Membro da Comissão dos Direitos da Mulher de Mato Grosso
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