Quando a ausência da Defensoria Pública foi "fantástico"
A reportagem especial em horário nobre da televisão brasileira neste domingo apresentou as dificuldades que trabalhadores rurais enfrentam no acesso à justiça e na efetivação dos seus direitos previdenciários de aposentadoria por idade e invalidez, em razão da cobrança de honorários advocatícios que atingem a integralidade dos chamados retroativos (“atrasados”) ou até mesmo parte do valor do benefício recebido, por determinado tempo, em complemento aos “atrasados”.
A questão apresentada, reproduzida sob as lentes do excessivo valor cobrado pela prestação de um serviço particular, com atuação do Ministério Público Federal no combate ao que se nominou de “extorsão”, deve ser revisitada e reproduzida sob as lentes da urgência de fortalecimento da Defensoria Pública no Brasil.
Não se cuida de novidade para quem conhece a realidade da Defensoria Pública da União que ainda não atinge raio de atuação correspondente a 22% das subseções do Poder Judiciário federal e, no estado de Minas Gerais, por exemplo, onde existem 23 subseções da Justiça Federal, somente em quatro localidades a Defensoria Pública da União precariamente segue instalada na tentativa de prestar orientação jurídica integral e gratuita aos necessitados.
O problema apresentado pelo “show da vida” faz parte da rotina de milhares de potenciais usuários em estado de vulnerabilidade, que não se limitam a trabalhadores rurais, mas que em grande parte ainda desconhecem a existência do Estado-defensor e a importância e relevância do papel dos defensores públicos federais na promoção gratuita da cidadania e dos direitos humanos.
É bem verdade que as Emendas Constitucionais 74 e 80 recriaram a Defensoria Pública da União, dotando-a, num primeiro momento, de autonomia funcional, orçamentária, administrativa e, num segundo passo, de iniciativa legislativa e aplicação dos artigos 93 e 96, II da Constituição da República, que dispõe sobre a magistratura.
Todavia, a Constituição definitivamente deve deixar de ser uma “mera folha de papel”, com promessas não cumpridas pelo Poder Executivo Federal, e passar a ser o mais relevante instrumento de soberania e transformação social.
Defensores Públicos são agentes de transformação da realidade social. Educam em direitos. Podem ser parceiros na construção de políticas públicas eficazes. Atuam coletivamente e individualmente, não se limitando a atuação judicial. Têm o dever, em última análise, prioritariamente, de buscar a resolução extrajudicial dos litígios, diminuindo a quantidade de processos em tramitação.
Defensor Público não é gasto no Estado democrático e de direito; é investimento.
É dever constitucional da União, no âmbito federal, e direito constitucional do cidadão necessitado, em até oito anos, ter um Defensor Público Federal em locais onde existam Juízes Federais e membros do Ministério Público Federal.
Sem a devida estruturação e valorização da Instituição autônoma e de seus membros, com quadro próprio e satisfatório de infraestrutura material e humana, mediante orçamento de pessoal e custeio dignos, não será viável o cumprimento da imposição de expansão efetiva do Estado-defensor a quem se encontra na mais plena situação de miséria e abandono institucional.
No atual cenário, milhares de trabalhadores rurais, que poderiam e deveriam contar com a atuação de um Defensor Público Federal gratuitamente, se desejassem a atuação do Estado-defensor, encontram-se desamparados ou, raramente, são atingidos por ações pontuais de itinerantes.
É necessário que o governo federal, suas autarquias e órgãos públicos vejam na Defensoria Pública uma parceira na consolidação dos direitos garantidos pelo ordenamento jurídico, no caso de eventuais desajustes, para fins de servir de importante instrumento de amplificação da voz de quem é o detentor do poder (o poder emana do povo, não é mesmo?).
Faz-se imprescindível, ainda, que o governo federal assimile que a Constituição da República de 1988, mormente após as recentes Emendas, proveu definitivamente a Defensoria Pública da União de essencialidade e indispensabilidade no sistema de justiça.
Enquanto a valorização da Defensoria Pública da União não chega, resta ao cidadão invisível ter visibilidade apenas nas noites de domingo. Isto não é fantástico, mas foi no “Fantástico”.
Fonte: Conjur
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